COVID-19 e a Possibilidade de Revisão Contratual

 João Vitor S. De C. Morais

É fato notório que as relações jurídicas são comumente permeadas por diversos termos em latim. Não é raro que os diferentes operadores do direito se depararem no dia a dia forense com expressões como “amicus curiae”, “fumus boni iuris”, dentre outras. Há aqueles que sustentam que estas são obsoletas e buscam tão somente conferir ao texto uma aparência de erudição e profundidade. E, em certos casos, essas pessoas estão certas. Todavia, algumas dessas expressões trazem em si princípios que até hoje servem como diretrizes para a resolução de conflitos jurídicos e por meio dos quais é possível ter uma visão mais ampla daquilo que o Estado de Direito busca efetivamente tutelar.

É claro que para a maioria das pessoas que recorrem ao Pode Judiciário, muitos desses termos são irrelevantes. Contudo, tendo em vista a intensa disseminação do novo Corona Vírus (COVID-19) mundo afora, os sujeitos que celebram contratos deveriam, ao menos, ter familiaridade com os seguintes vocábulos: “pacta sunt servanda” e “rebus sic stantibus”.

Grosso modo, o primeiro estabelece que os contratos pactuados devem ser cumpridos. Por seu turno, o segundo vocábulo, em complementação ao primeiro, dispõe que o cumprimento é devido desde que sejam mantidas as condições originalmente contratadas.

O que essa cláusula oriunda do Direito Romano teve o cuidado de considerar é a imprevisibilidade intrínseca às negociações. O próprio legislador brasileiro, inclusive, teve o mesmo cuidado, ao prever que “o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado”, consoante o art. 393 do Código Civil. Em termos práticos, na hipótese de enquadramento de um caso em qualquer um desses institutos, a mora, por exemplo, não se operaria, já que o seu pressuposto é que o inadimplemento seja causado pelo devedor.

Ademais, é oportuno ressaltar outras três normas que também contemplam a hipótese de revisão contratual: o art. 317 do Código Civil dispõe que “quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.”

Por seu turno, o art. 478 do mesmo código versa sobre a possibilidade de o devedor pedir a resolução do contrato, quando verificada onerosidade excessiva causada por acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Em sentido semelhante, o art. 6º, inciso V do Código de Defesa do Consumidor elenca como direito básico do consumidor a revisão de cláusulas contratuais que tenham se tornado muito onerosas em virtude de fatos supervenientes.

Feitas tais considerações, é importante salientar que vivemos um momento singular da História. As consequências do novo COVID-19 já estão sendo sentidas por variadas empresas, que se encontram impossibilitadas de cumprir certas obrigações que foram contratualmente assumidas por elas. É nesse ponto que as normas citadas anteriormente merecem destaque. Isso porque, dadas as peculiaridades de cada caso, diferentes contratos poderão ser objeto de revisão, tanto judicial quanto extrajudicialmente.

A título exemplificativo, veja-se que o Conselho Monetário Nacional já se antecipou e adotou medidas que visam facilitar a renegociação de operações de crédito e ampliar a capacidade de capital dos bancos, a fim de incentivar as aludidas renegociações. Diante disso, as principais instituições financeiras do Brasil – Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Santander, Bradesco e Itaú – já lançaram campanhas que se destinam a prorrogar o pagamento de dívidas de pessoas físicas e/ou micro e pequenas empresas. Por enquanto, essa possibilidade expressa de renegociação está limitada ao setor bancário, mas isso não impede que, futuramente, outros tipos de contrato sejam revisados.

Concluindo, é esperado que diversos contratos sejam revisados. Todavia, a incidência dos artigos expostos acima dependerá da análise individualizada do instrumento contratual que se pretende revisar, devendo ser comprovados: a ausência de culpa do devedor e o nexo causal entre o inadimplemento e a pandemia que ora enfrentamos.